O Superorganismo Humano
O ano era 2010. Grandes avanços no estudo de como o corpo humano funcionava tinha sido feitos. Técnicas avançadas como o sequenciamento de nova geração já eram realidade há alguns anos. E foi aí que a revista Medical Hypotheses lançou um editorial que propunha a mudança do termo usado para se referir ao nosso corpo. Para o pesquisador Roy Sleator, que assina o editorial, a nomenclatura de "organismo" estava ultrapassada e o nome correto deveria ser um "superorganismo", uma vez que somos compostos não só das nossas células, tecidos e órgãos mas também de uma malha de microrganismos própria que define diversas coisas sobre nós mesmos.
Se o último parágrafo soou estranho para você, sugiro que você relaxe na cadeira porque lá vem história de como os microrganismos do nosso corpo definem quem a gente é. Estimativas afirmam que temos em torno de 10 trilhões de células, que convivem com mais de 100 trilhões de células microbianas (bactérias, fungos, protozoários e vírus). O mesmo vale para a variabilidade genética: o corpo humano produz em torno de 20 mil genes, contra mais de 20 milhões de genes diferentes produzidos por microrganismos. Vejamos um pouco mais sobre eles em diversas partes do organismo:
Microbiota da pele: seu aliado em alergias, mosquitos e até no sexo
Não, você não leu errado. Os microrganismos que habitam a sua pele são muito importantes na forma como o seu corpo interage com o ambiente. A pele é o maior órgão do corpo humano e tem a função de te proteger de coisas que não são boas para o seu organismo, como sujeira, impacto, cortes e afins. Mas ela não atua sozinha.
Os microrganismos presentes na pele atuam como uma segunda barreira de proteção. Muitas vezes se unindo para fechar vias de entrada e afastar possíveis invasores. A competição por espaço e alimento é enorme quando se fala de microrganismos em um ambiente aberto, como é o caso da pele, e estes microrganismos "nativos" apresentam mecanismos de inibição (como p. ex. antibióticos) para competir com outros microrganismos, fazendo com que bactérias e fungos que não são nativos da pele tenham mais dificuldade para ingressar e se manter ali.
O mesmo é válido para casos de alergias. Quanto mais exposto a microrganismos você for, menos casos de alergias você terá. Isso já foi mostrado em diversos trabalhos e inclusive levou à criação da "teoria da higiene", que, em linhas gerais, concorda com o famoso comercial "se sujar faz bem". Conforme a pele vai conhecendo os microrganismos do ambiente que a cerca, melhor o corpo aprende a distinguir quem é bom, quem é mau e quem simplesmente não faz nada demais. O efeito também foi visto em bebês que nascem de cesariana. Estudos mostram que a passagem pelo canal vaginal (como acontece no parto normal) gera uma colonização inicial importantíssima para a criança e que bebês de cesárea tendem a apresentar muito mais casos de alergias até os cinco anos de idade.
Um tópico menos ortodoxo sobre microrganismos da pele são os cheiros que ela exala. Você sabe que microrganismos produzem cheiros porque já viu algum alimento estragado cheirando mal ou porque já sentiu aquele cheirinho de terra molhada quando começa uma chuva (sim, são microrganismos que fazem isso). Mas na nossa pele esses cheiros produzidos podem atuar de várias formas. O mais comum é o do famoso CC. Suas axilas depois de um exercício físico intenso ou um dia de grande calor são a prova viva de que os microrganismos dali estão trabalhando forte e o seu antitranspirante favorito vai atuar matando essas bactérias para prevenir esse mau cheiro.
Por outro lado, alguns cheiros podem ser bons. A ideia do "sangue doce" para pessoas que são mais atacadas por mosquitos tem um fundo de verdade. Não tem nada a ver com sangue, é verdade, mas algumas pessoas são sim mais atacadas por mosquitos que outras, justamente pelas substâncias que microrganismos da pele produzem que podem atrair ou espantar os bichinhos. Isso também vale para as pessoas. Estudos já mostraram que moscas são mais atraídas sexualmente por substâncias produzidas por microrganismos determinados. Isso já foi provado em humanos? Ainda não. Mas admita, maconha vicia, porém o cheiro da morena vicia mais. E acredite em mim: os microrganismos da pele tem culpa no cartório pr
Microbiota intestinal: te ajuda a comer, regula seu humor e te protege de doenças
Já que falamos na parte de fora do corpo, é importante falar também da parte de dentro também. Os microrganismos que vivem no nosso intestino funcionam da mesma forma que na pele: vivendo em harmonia com o corpo e prevenindo a entrada de diversos microrganismos potencialmente maléficos.
Estes microrganismos ajudam a gente a digerir alimentos, por exemplo, metabolizar o álcool (sim, se você tiver uma microbiota legal, a ressaca é menor), afetar a absorção de remédios e muito mais. Estes serezinhos microscópicos definem como o corpo reage a qualquer coisa que entre nele, porque sua ação é muito mais rápida que a do próprio corpo.
Mas a microbiota do intestino vai mais longe. Já imaginou o seu estômago mandando no seu cérebro? E não, eu não estou falando de quando você vê aquela pizza maravilhosa sem ter jantado. Eu estou falando de regular seu humor e suas ações. O seu colega esquentadinho pode ser assim porque a microbiota do intestino dele é de uma determinada maneira. Quer uma prova disso? Pois tome: existe uma conexão direta entre o intestino e o cérebro que é denominada "gut-brain-axis", ou "linha central intestino-cérebro" em português. Esse eixo gera um mecanismo de feedback entre os microrganismos do seu intestino e o sistema nervoso e gera feedbacks como o mau humor, alegria, ódio e afins.
Vale lembrar que os microrganismos reagem e produzem neurotransmissores, então trata-se de uma via de mão dupla. Da mesma forma que você estar de bom humor pode deixar seus microrganismos mais felizes, os microrganismos do seu intestino podem estar colaborando para que você sorria lendo esse texto. A serotonina, por exemplo, conhecida como o hormônio do prazer também é importante para a digestão e é produzida pelos microrganismos do intestino, além do cérebro. É por isso que a comida parece descer mal quando você está estressado ou triste. E também é por isso que muitas pessoas estabelecem uma cadeira cativa no banheiro antes de apresentações e entrevistas sérias.
Eu sei, isso pode soar estranho, mas é tudo comprovado e no final do texto tem uma série de referências nas melhores revistas científicas do mundo pra te ajudar. E não para por aí. A essa altura você já pode ter pensado em "melhorar a sua microbiota" para ser mais feliz. E acredite, isso é possível. A forma é que não é muito agradável. Cientistas já mostraram que transplantando fezes do intestino de um rato tranquilo para um rato agressivo torna esse rato também tranquilo. Isso também serve para casos de obesidade e, em certa ordem, até mesmo para depressão. Mas o que você acha? Vale a pena um transplante assim para ter uma vida melhor? Reflita.
Tudo que foi dito aqui se baseou numa série de artigos. Você pode conferir a lista aqui:
The gut-brain axis: interactions between enteric microbiota, central and enteric nervous systems
The human superorganism – Of microbes and men
Skin Microbiota and its Interplay with Wound Healing
Defining microbial biomarkers for risk of preterm labor
Bacteria–host communication: The language of hormones
VÍDEO - Rob Knight: Como nossos micróbios nos tornam quem somos
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